29.9.15

Um óptimo professor



Quando digo ‘há uns dias…’ já podem ter passado semanas, meses ou mesmo um ou dois anos. Quando digo ‘há uns anos’ passaram com certeza bastantes.
Um dia, há uns anos, vi numa das RTPs uma entrevista feita a Jorge Silva Melo, que falou, como sempre, de assuntos muito interessantes e falou também da influência e por que a tivera de um seu professor de filosofia, se bem me lembro, que tinha tido no liceu Camões.
Por ter ficado verde de inveja, não me teria importado ser mais velha para poder ter tido João Bénard da Costa como professor. Acho que foi a primeira e única vez que tive inveja de alguém. O que poderia ter aprendido de uma assentada de dois anos e que levei anos a aprender e, provavelmente, nunca recuperei o tempo perdido, nem aprenderei tudo o que ele me teria ensinado.
Isto vem a propósito de ter visto uma aluna, no facebook, a fazer ‘publicidade’ ao «livro escrito pela minha professora de português» Isabela Figueiredo
Desta vez não tive inveja, mas apenas por não me apetecer, nem um bocadinho, voltar a ser adolescente

20.9.15

A Europa, nós e os migrantes



Infelizmente, bem razão tinha eu há uns dias atrás.
Tínhamos atingido o limite com a morte daquela criança? Quantas mais já morreram? Quantos adultos morreram, deste então? Quantos mais terão de morrer? E crianças?
Andamos a atirar a culpa paras as chefias da Europa, aliviamos as culpas, não é nada connosco era só o que faltava, e agora para ajudar até existe a Hungria e a Croácia que também já fechou sete das oito fronteiras e continua a não ser nada connosco.
Felizes que andamos, a vida continua, é lá tão longe e, tantos de nós que tanto se comoveram com a foto da criança morta, já começamos a ter medo dos terroristas, que, como está bem de ver, arriscam-se a morrer afogados e a ficar do lado da Sérvia ou levar cargas de porrada da polícia húngara, ou então mais subtilmente, perguntamos-nos como é que são tão pobrezinhos e têm dinheiro para pagar 6.000€ a traficantes
Acusamos a Europa, essa coisa abstracta e longínqua que nos impôs a troika e impôs a maior humilhação que se pode fazer a um povo de um outro país, que não somos nós, fica lá tão longe, como eu ia dizendo essa Europa abstracta e longínqua que tem uns habitantes, não sabemos bem quais, mas não nós, somos impolutos, deus nos livrasse, andamos cheios de boa vontade, Passos Coelho é que não ata nem desata, bem como as cimeiras que nunca mais acabam e que nunca resolvem nada.
Está tudo certo, mas somos nós, com os nossos votos e com a nossa abstenção que os pusemos lá. Lá no poleiro, a todos sem excepção, mas continuamos a assobiar para o ar por não ser nada connosco.
Que asco!


7.9.15

Vamos lá falar de nus




Tenho uma vizinha que foi minha colega de yoga e que me propôs que, em vez de irem sempre dois carros, uma semana era ela que me levava e na seguinte trocávamos. Nunca fomos amigas e a nossa convivência resumia-se às viagens, curtas, de ida e volta para as aulas de yoga.
Um dia insistiu para que a fosse buscar mais cedo, para me mostrar a casa. Fiquei surpreendida pois na minha casa só entram os meus amigos. A casa dela está num plano mais elevado do que a minha e calculei que deveria ter uma vista espectacular para o mar. Da minha, apenas o vemos num canto de uma das varandas. Tinha um óculo na sala. Espreitei para ver os barcos que estavam ancorados e para meu espanto dei com a minha casa. Ri-me. Só me vês à noite, saiu-me mal refeita da admiração.
As minhas cortinas estão colocadas de meio das janelas para baixo. Ela, à noite, vê tudo o que se passa na minha cozinha. Apenas na cozinha, única divisão que tem janelas viradas a norte. Costumo, em dias quentes, andar nua pela casa. Cozinho nua. Continuo a cozinhar nua. Não mudei ou modifiquei as cortinas. O problema, se é que há problema, está em quem olha e não em quem é olhado. Gosto do meu corpo e não tenho vergonha dele, além de que estou na minha casa onde faço o que quiser.
É comum que mulheres, grávidas ou não, sejam fotografadas nuas e sejam capas de revista. Fazem parte, normalmente, das chamadas famosas. Estamos fartinhos de ver em revistas ou mesmo em notícias, costumam ser estrangeiras e ninguém acha mal ou lhe passa pela cabeça criticar. Mas quando é uma portuguesa, chovem críticas de todos os lados.
Joana Amaral Dias é dona do seu corpo e pode fazer com ele o que bem quiser, seja onde for e quando lhe der na real gana. É bom termos a noção de que as críticas ao timing, ao ser política e à nudez se confundem.
Não tenho falsos moralismos nem pudores, acho que a nudez de uma mulher grávida e bonita é linda. Gosto de ver.
Sabem qual é a crítica que faço a Joana Amaral Dias? A de ter vindo desculpar-se ou justificar-se, não o devia ter feito, atacando quem a critica dizendo que o país é um paísinho.
Então ela é política, é a cabeça de cartaz de um partido e não sabe que as mentalidades não evoluíram, que os falsos moralismos e hipocrisias são transversais à sociedade portuguesa tanto social, como ideológica e religiosamente? Então ela quer ser eleita sem conhecer o povo de que faz parte? Mas de políticos destes estamos nós fartos, ou não?
Nada muda numa sociedade, num país, numa Europa, no mundo enquanto as mentalidades não mudarem.

4.9.15

Migrantes



Estou revoltada e viro-me contra tudo e todos. É melhor não continuarem a ler, porque estou mesmo irritada com quase todos os bloggers, jornalistas e ‘faceboquianos’.
Eu sei que alguns escrevem com pejo, com o mesmo pejo com que vim aqui invectivar por estar furiosa. Para ser sincera não vi imagens da tal criança, fujo de telejornais, mas tenho lido o que se escreve por todos as lados, desta vez não há como fugir.

Há assuntos que não consigo perceber, imagens que me chocam, que não quero ver por não adiantarem em nada ao horror em que vivo já há uns tempos.
Não me comovem, palavra que não me comovem, fazem-me pesadelos que não param quando as noites acabam, que carrego durante o dia e me distraem enquanto trabalho.
Não sei falar deste horror, sinto-o e sofro e não foi a criança que piorou o cenário. Já nada pode piorar a realidade que se abate todos os dias, já lá vão não sei quantos anos, sem ninguém se importar muito, é lá longe, a Itália que se vire, a Europa que trate do assunto e o mais fácil até é insultar os governantes, mas fazer alguma coisa para minorar o mal isso é que não. Virem para cá? Isso nem pensar que são muçulmanos e nós temos tradições culturais judaico-cristãs e ainda por cima estamos nas lonas e nem queremos pensar como se virará a Grécia.
Não tenho culpa se só agora acordaram, porque já houve muitas e muitas crianças que morreram nestas travessias e adultos também e para mim é tão mau e tão real ser uma criança como ser um adulto. São seres humanos como eu. Não foi na praia? ainda não tinham visto imagens? mas era preciso que fosse na praia? mas era preciso vê-las? E os ‘nossos’ militares que ajudaram todas as pessoas, como nós somos tão bonzinhos e agora a sociedade civil que está a querer ajudar e como nós somos tão generosos.
Uma merda é o que somos, iguais a todas as merdas de povos que andam por aí pela Europa que não querem saber de nada nem de ninguém.
Borrifámos, estivemos nas tintas, não quisemos ter nada a ver com o assunto, por isso, por favor, não venham agora falar da criança e dizerem que se atingiu o limite.
Estou farta de hipocrisias. Estou mesmo farta.
.

Barbara

Não há uma única canção dela que eu não gosto.
Esta é a minha preferida 

1.9.15

Coelho molho de vilão



Era um ritual que começava todos os anos a 1 de Setembro. A primeira vez dissera-me, como quem conta um segredo, vamos ali à copa para eu te ensinar a ser alquimista. Nunca tinha ouvido a palavra e perguntei-lhe o que queria dizer, ser alquimista é fazer alquimia. Insisti em que não sabia o significado da palavra, alquimia é transformar algo estragado, ou que parece já não prestar, em qualquer coisa muito boa, é simples mas é preciso ter paciência.
Em cima da bancada de madeira, estavam quatro garrafas alinhadas que na véspera tinham sido lavadas e bem secas pela Maria. Introduzira-lhes um pano fino de linho com a ajuda de um arame e rodara, rodara, até não haver nem um pouco de humidade.
A minha avó pôs um funil de ‘folha’ em cada uma, em cada funil um filtro de papel que encheu até meio com um pó negro, carvão vegetal. Abriu uma garrafa de vinho tinto e deitou com cuidado, para que o filtro de papel não rasgasse, uma porção que teria de ficar acima do carvão vegetal. Virou as costas e foi-se embora e eu fiquei ali, encostada à bancada de madeira, a olhar para as quatro garrafas à espera da tal alquimia, mas nada acontecia.
No dia seguinte, fomos olhar para as garrafas que tinham no fundo um pouco de líquido escuro. Olhei para a minha avó com ar desiludido. Agora pomos mais deste vinho azedo, feito pelo teu avô há mais de vinte anos, até as garrafas ficarem cheias de líquido. Depois recomeçamos o processo e lá para o fim do mês teremos um óptimo vinagre branco. Eu disse-te que tinhas de ter paciência se quiseres vir a ser uma boa alquimista.
Abriram-se várias garrafas do vinho do avô que eu não chegara a conhecer. Depois do carvão vegetal já estar impregnado, o processo tornou-se ligeiramente mais rápido e tanto de manhã como de tarde tinha de se acrescentar mais vinho para o nível estar sempre acima do carvão.
Foi já com o novo vinagre branco que no dia 29 de Setembro foi temperado o coelho de vilão que se fizera para os anos da minha prima. Orgulhosa, perguntei à avó se já era uma boa alquimista. Fez-me uma festa na cabeça e disse-me com ar terno, precisas de saber mais alguns processos para poderes vir a ser uma boa alquimista, mas não te esqueças que é necessária muita paciência e amor.
Tinha dezassete anos quando a minha avó me disse que aquele seria o último ano em que faria vinagre. Olhei-a assustada, andava mais curvada e cansada, no Inverno tivera uma forte pneumonia, recuperara mal, mas a avó acrescentou em tom leve são as últimas garrafas que tenho do ano em que o vinho tinto não teve grau suficiente para se poder guardar e o teu avô deixou-o azedar.
Fiz vinagre durante onze anos e tenho saudades